sábado, 25 de julho de 2009

tirinhas difentes para diversas refexição

































reflexão impotante






































poema concretista

















O gigolô das palavras

Luís Fernando Veríssimo


Quatro ou cinco grupos diferentes de alunos do Farroupilha estiveram lá em casa numa mesma missão, designada por seu professor de Português: saber se eu considerava o estudo da Gramática indispensável para aprender e usar a nossa ou qualquer outra língua. Cada grupo portava seu gravador cassete, certamente o instrumento vital da pedagogia moderna, e andava arrecadando opiniões. Suspeitei de saída que o tal professor lia esta coluna, se descabelava diariamente com suas afrontas às leis da língua, e aproveitava aquela oportunidade para me desmascarar. Já estava até preparando, às pressas, minha defesa ("Culpa da revisão! Culpa da revisão !"). Mas os alunos desfizeram o equívoco antes que ele se criasse. Eles mesmos tinham escolhido os nomes a serem entrevistados. Vocês têm certeza que não pegaram o Veríssimo errado? Não. Então vamos em frente.
Respondi que a linguagem, qualquer linguagem, é um meio de comunicação e que deve ser julgada exclusivamente como tal. Respeitadas algumas regras básicas da Gramática, para evitar os vexames mais gritantes, as outras são dispensáveis. A sintaxe é uma questão de uso, não de princípios. Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo. Por exemplo: dizer "escrever claro" não é certo mas é claro, certo? O importante é comunicar. (E quando possível surpreender, iluminar, divertir, mover... Mas aí entramos na área do talento, que também não tem nada a ver com Gramática.) A Gramática é o esqueleto da língua. Só predomina nas línguas mortas, e aí é de interesse restrito a necrólogos e professores de Latim, gente em geral pouco comunicativa. Aquela sombria gravidade que a gente nota nas fotografias em grupo dos membros da Academia Brasileira de Letras é de reprovação pelo Português ainda estar vivo. Eles só estão esperando, fardados, que o Português morra para poderem carregar o caixão e escrever sua autópsia definitiva. É o esqueleto que nos traz de pé, certo, mas ele não informa nada, como a Gramática é a estrutura da língua mas sozinha não diz nada, não tem futuro. As múmias conversam entre si em Gramática pura.Claro que eu não disse isso tudo para meus entrevistadores. E adverti que minha implicância com a Gramática na certa se devia à minha pouca intimidade com ela. Sempre fui péssimo em Português. Mas - isso eu disse - vejam vocês, a intimidade com a Gramática é tão indispensável que eu ganho a vida escrevendo, apesar da minha total inocência na matéria. Sou um gigolô das palavras. Vivo às suas custas. E tenho com elas exemplar conduta de um cáften profissional. Abuso delas. Só uso as que eu conheço, as desconhecidas são perigosas e potencialmente traiçoeiras. Exijo submissão. Não raro, peço delas flexões inomináveis para satisfazer um gosto passageiro. Maltrato-as, sem dúvida. E jamais me deixo dominar por elas. Não me meto na sua vida particular. Não me interessa seu passado, suas origens, sua família nem o que outros já fizeram com elas. Se bem que não tenho o mínimo escrúpulo em roubá-las de outro, quando acho que vou ganhar com isto. As palavras, afinal, vivem na boca do povo. São faladíssimas. Algumas são de baixíssimo calão. Não merecem o mínimo respeito.Um escritor que passasse a respeitar a intimidade gramatical das suas palavras seria tão ineficiente quanto um gigolô que se apaixonasse pelo seu plantel. Acabaria tratando-as com a deferência de um namorado ou a tediosa formalidade de um marido. A palavra seria a sua patroa ! Com que cuidados, com que temores e obséquios ele consentiria em sair com elas em público, alvo da impiedosa atenção dos lexicógrafos, etimologistas e colegas. Acabaria impotente, incapaz de uma conjunção. A Gramática precisa apanhar todos os dias pra saber quem é que manda.

SALVADOR DALI (1904-1989)

Salvador Dali nasceu em 11 de maio de 1904, na cidade catalã de Figueras (Espanha), região que foi também uma espécie de pano de fundo para grande parte de sua obra. Tornou-se uma figura popular com aqueles bigodes enormes. Era artista e showman na divulgação da própria obra. Filho de um prestigioso tabelião, estudo escola pública (Colégio Salle). Começou a estuar desenho quando tinha 13 anos. Em 1919 participa de uma exposição de pintura. Em 1922 obtém o reconhecimento da Associação Catalã de Arte e no mesmo ano matricula-se na Escola de Belas Artes de Madrid, onde fica até 1926 conhecendo Frederico Garcia Lorca, Luís Brunuel.Vinha de uma família sólida de classe média. Era rodeado por amigos ricos e cultos que incentivavam Dali e mantinham bem informado sobre os desenvolvimentos no mundo das artes.

Foi estudar pintura em Madri (1921-1926) quando já possuía boa bagagem artística. Foi nessa época que fez amizade com o poeta Lorca. Sua primeira exposição individual aconteceu em 1925, na Galeria Dalmau (Barcelona). Foi chamado em 1927 para o serviço militar, cumprindo-o no Castelo de Sant Ferran (Figueres). Surrealista desde 1928 (ano em produziu, com Buñuel, o filme" Un perro andaluz" e se incorpora ao grupo surrealista em Paris). Em 1938, fiel aomesmo tipo de pintura, modificou sua orientação temática até chegar a quase mesmo mistricismo.

É cada vez mais atraído para o Surrealismo a partir de 1.929, e influenciada pelas teorias de Sigmund Freud. Casou-se com Gala Eluard que fora antes sua amante, que além de ser a musa inspiradora, foi uma grande colaboradora e organizadora de seus afazeres. Mas foi ela também que sua ganância incentivou Dalí a banalisar a sua arte.
Sua melhor produção é considerada a que ocorreu entre os anos 29-39.Dalí pintou suas obras mais famosas. As pinturas desenvolviam interpretações e associações irracionais, dependendo do ponto de vista, de acordo com o método crítico-paranóico por ele criado. Conferiu à sua obra sempre uma aparência acadêmica com impecável precisão fotográfica. No final da década de 1930, Dalí estava começando a ser reconhecido nos Estados Unidos, onde as atitudes face às novidades artísticas eram menos conservadoras do que na Europa. O início da Segunda Guerra Mundial e a vitória dos alemães sobre a França, em 1940, levaram Dalía fugir para os EUA, onde ficou oito anos. Durante a Segunda Guerra Mundial, com a invasão alemã em 1940, vai para os Estados Unidos, onde teve inúmeras oportunidades para usar seu talento. A América também despertou seu lado exibicionista, tornou-se uma super-celebridade. Em 1962 cria grandes pinturas como a "Batalha de Tetuán".Recebe em 1964 a Cruz de Isabel a Católica e un ano depois; realiza una grande exposição em Tókio. Em 1973 é inaugurado o Museu Dali.

Os últimos anos de Salvador Dalí foram obscurecidos por um distanciamento de Gala, que morreu em 1982. No mundo das artes crescia a preocupação com a quantidade de obras falsas que lhe eram atribuídas a Dalí.

O próprio Dali sabia de sua parcial culpa, pois que muitas vezes chegou a assinar centenas de folhas em branco que seriam obviamente usadas de forma ilícita. Em 1986 sofreu graves queimaduras por causa de um incêndio,ocorrido em seu quarto.

A partir de então vive prostrado em uma cama na torre do Museu de Figueres. Faleceu em 20 de janeiro de 1989, anos 84 anos deidade. Seu corpo embalsamado está enterrado em uma tumba sob a cúpula do Museu de Figueres (Espanha).

telas de hyeronimus bosch

























































Música de Chico Buarque - Cantiga de amigo

Quando olhaste bem nos olhos meus
E o teu olhar era de adeus
Juro que não acreditei, eu te estranhei
Me debrucei sobre teu corpo e duvidei
E me arrastei e te arranhei
E me agarrei nos teus cabelos
Nos teu peito, teu pijama
Nos teus pés ao pé da cama
Sem carinho, sem coberta
No tapete atrás da porta
Reclamei baixinho
Dei pra maldizer o nosso lar
Pra sujar teu nome, te humilhar
E me vingar a qualquer preço
Te adorando pelo avesso
Pra mostrar que ainda sou tua

Millôr Fernandes

A Baposa e o Rode

Millôr Fernandes

Por um asino do destar, uma rapiu caosa, certo dia, num pundo profoço, do quir não consegual saiu. Um rode, passi por alando, algois tum depempo e vosa a rapendo foi mordade pela curiosidido. "Comosa rapadre" -- perguntou -- "que ê que vocé esti faza aendo?". "Voção entê são nabe?" respondosa a mapreira rateu. "Vem aí a mais terrêca sível de tôda a histeste do nordória. Salti aquei no foço dêste pundo e guardarar a ei que brotágua sim pra mó. Mas, se vocér quisê, como e mau compedre, per me fazia companhode". Sem pensezes duas var, o bem saltode tambou no pundo do foço. A rapaente imediatamosa trepostas nas coulhes, apoifre num dos xides do bou-se e salfoço tora do fou, gritando: "Adrade, compeus".

MORAL: Jamie confais em quá estade em dificuldém.


A Viúva


Quando a amiga lhe apresentou o garotinho lindo dizendo que era seu filho mais novo, ela não pôde resistir e exclamou: " Mas como, seu marido não morreu há cinco anos?" "Sim, é verdade" — respondeu então a outra, cheia daquela compreensão, sabedoria e calor que fazem os seres humanos — "mas eu não".

MORAL: Não morre a passarada quando morre um pássaro

Aula de português_Carlos Drummond Andrade

A linguagem
na ponta da língua,
tão fácil de falar
e de entender

A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?

Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, equipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me.

Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.

O português são dois; o outro, mistério.

Dias de sombra, dias de luz ___ Jurandir Freire Costa

Sem o sonho de que os tempos sombrios passarão, viver serve para quê?Começo pelas sombras. O Brasil vive uma escalada da violência urbana desorientadora. Quando a lista de atrocidades parecia esgotar-se, aparece mais uma figura do medonho, do horror dos horrores, a morte do menino João Hélio. Será que somos uma aberração coletiva apelidada de nação? Será que somos uma civilização sem amanhã? Talvez sim, talvez não. Seja como for, para evitar o dano mais grave é preciso admitir o evidente: criamos uma sociedade inconseqüente que se vê a braços com o pior efeito da inconseqüência humana: a carnificina monstruosa, na qual crianças matam crianças, sem se dar conta da imoralidade do que estão fazendo.

O assassinato de João Hélio por um adolescente que afirmou “não saber o que significa perder um filho assassinado porque nunca teve filho” mostra a face disforme do imaginário da terra de palmeiras onde cantam sabiás. O adolescente que disse ignorar o que é a dor de perder um filho assassinado porque nunca teve filho, exibiu, sem se dar conta, sua patológica cegueira de valores. Mas, sobretudo, mostrou que nunca teve a chance de saber o que é um pai, uma mãe, um filho, enfim, o que é amar e perder um ser amado a quem se deu a vida. Ao ser privado dessa experiência afetivo-moral básica, o jovem criminoso também foi privado de conhecer a distinção entre o justificável e o injustificável. A impiedosa engrenagem da miséria triturou sua capacidade de introjetar o sentido ético do que Levinas chamou de “infinita responsabilidade pelo Outro”!

Aí, porém, reside a trágica antinomia da condição humana. Apesar de não ter controle sobre as causas que o levaram a agir como agiu, o garoto é responsável pelo que fez, a menos que o consideremos um puro espectro humanóide, o que seria incomensuravelmente mais desumanizante. Podemos, é claro, conceder-lhe o benefício da ausência de consciência plena do crime cometido; podemos olhar com clemência a dolorosa história de vida que o fez praticar o que praticou, mas não podemos isentá-lo da autoria do seu ato. Conclusão: é nosso dever ético condenar e procurar mudar, por todos os meios possíveis, regimes socioeconômicos que favoreçam a formação moral de pessoas sem consciência do que seja crueldade. Caso contrário, estaremos permanentemente expostos a um terrível impasse ético, qual seja, não saber como julgar alguém que não teve condições de dar sentido a palavras como culpa, crime e castigo.

Renato Janine Ribeiro, ao comentar o homicídio do menino João Hélio, exprimiu esse mal-estar. A fantasia de vingança contra o assassino que lhe veio ao espírito, entretanto, nem significou incitação à tortura - longe disso!-, nem neutralidade moral em relação ao Bem e ao Mal. De minha perspectiva - e pode haver outra que não seja pessoal? -, ao escrever o que escreveu, ele pensou em carne viva e revelou um aspecto recalcado de nossa cultura, o convívio promíscuo com a barbárie. Reagindo como reagiu, mostrou o barro de que todos somos feitos, e seu discurso, por isso, foi objeto de numerosas contestações. Compreendo o sentido das objeções feitas, mas não concordo com a maioria delas.

Nós, universitários ou acadêmicos, não somos anjos prudentes com uma régua de virtudes à mão, prontos para dirimir, judiciosa e incansavelmente, o que é joio e o que é trigo. Nossa tola vaidade nos faz pensar, muitas vezes, que “os outros”, os incultos ou conservadores, podem tropeçar na própria ignorância e não saber o que dizem ou dizerem “não sei”. Nós, não! Nós somos embaixadores do Iluminismo, do Humanismo ou de qualquer outro “ismo”. Por conseguinte, vir a público falar do que sentimos em momentos de comoção moral e intelectual significa confessar o pecado leigo de lesa-razão! Crime, diz-se, é com a justiça, e fora da justiça não há salvação. Porém, o que chamamos de justiça, entendida como lei ou direito instituídos, não nasce da cabeça de Zeus. Nasce de um sentimento anterior, pré-reflexivo e pré-racional, adquirido mediante experiências psicológico-morais primárias, que ao longo das vidas pessoais e da vida cultural tornam-se familiares. Acontecimentos extraordinários do ponto de vista moral podem, assim, fazer-nos hesitar quanto à propriedade e a natureza do que julgamos justo ou injusto. Nestas situações, o moralmente indecidível pode emergir, posto que a enormidade do fato ocorrido força-nos a oscilar, de modo ambivalente, entre o “impiedoso, frio e impessoal” e o “compassivo, passional ou leniente”. Esse é um dos efeitos mais nocivos da anomia cultural: suportar a dúvida de estar sendo, simultaneamente, injusto com a vítima e com o algoz. No caso de João Hélio, como decidir entre a piedade devida a cada um e a equanimidade devida a todos? O que é mais justo: pedir o endurecimento na punição do responsável pela morte de uma criança inocente brutalmente assassinada ou argumentar, em favor do adolescente assassino, que ele jamais teve condições de entender, por questões psicológico-sociais, que o direito à vida é uma prerrogativa de qualquer ser humano?

Pode-se responder: podemos ficar ao lado dos dois, escolher um lado contra o outro, ou não querer pensar no assunto, pouco importa. O fundamental é que isto é da alçada da justiça válida para todos e não do arbítrio voluntarista ou dos espasmos emocionais de um só. Em parte, é verdade. Mas qual justiça, volto a perguntar? A dos códigos e protocolos ou a da aspiração ao respeito absoluto e inegociável pela singularidade do outro? O dilema é mais difícil do que se costuma fazer crer. Como bem apontou Olgária Mattos, não por acaso, Adorno, no julgamento dos nazistas, foi levado a dizer algo mais ou menos assim: não faria o menor gesto para condená-los à morte; não faria o menor gesto para poupá-los da morte! No mesmo tom, não foi algo semelhante que levou Hannah Arendt a dizer que há crimes sem perdão, pois aqueles a quem competeria perdoar já não podem mais fazê-lo, por terem sido mortos?

Naturalmente, o infeliz garoto assassino não é um nazista. Ele é um sobrevivente social a quem foi sonegada a mais elementar possibilidade de valorizar a vida do próximo. Isso - creio e defendo - é razão suficiente para julgarmos seu crime com indulgência, mas não é motivo para recalcar o horror que podemos sentir, ao imaginar o que João Hélio sofreu e o desespero alucinadodos pais que viram o filho ser morto como foi. O gênio da língua tarda, mas não falta. Dispomos, em português, de uma palavra para designar filhos que perdem pais, qual seja, “órfão”; não dispomos de palavra alguma para nomear o que se torna um pai ou uma mãe que perde um filho. Este estado é feito de uma dor que não se inscreve na linguagem. Ele é provação extrema; é o mais escuro vazio e a mais lenta agonia; é algo que nenhuma lágrima apaga, porque é a nudez implacável da morte no coração de uma vida que gostaria de não mais ser, e, que, no entanto, é obrigada a continuar sendo.

Diante dessa desmedida, afirmar que não se sabe o que fazer ou que se pode experimentar desejos de retaliação não significa jogar a ética na lama; significa mostrar que a malignidade de algumas circunstâncias sociais podem fazer o discernimento ético vacilar. Para alguns, isto é retórica vazia ou falta de coragem para tomar partido. Mas agir e pensar com justiça não é questão de tomar partido; é questão de experimentação sócio-moral, como sustentaram James, Dewey, Rorty; é questão de apostar, sem garantias e com riscos de frustração, na boa-vontade de nossos parceiros de vida em comum; é questão, enfim, do “perigoso talvez”, tão repetido pelo saudoso Derrida. O que fazer, então, para sanar este estado de coisas? Não há resposta fácil. Como, por exemplo, combater a secular injustiça brasileira, reforçando, ao mesmo tempo, as instituições democráticas, se dependemos, para isso, de parlamentares, que, na maioria, sequer se dão ao trabalho de ocultar do público a baixeza de seus mesquinhos interesses? Como fazer deste país um país tolerante, se os líderes intelectuais, empresariais, políticos etc, comportam-se como fanáticos encastelados em seitas ideológicas, sempre prestes a renunciar ao diálogo e à persuasão e a desqualificar com arrogância ou desdém a opinião do opositor? Como, enfim, restaurar o princípio da boa-fé atribuível, em primeira mão, ao outro, se vemos líderes políticos mentir despudoradamente ou empresários da locomotiva agrícola falando de “liberalismo”, enquanto literalmente escravizam ou deixam morrer por exaustão física seus empregados?

Não sou derrotista ou desistente. Há coisas nas quais podemos acreditar porque existem e podem ser feitas. Dou dois exemplos. O primeiro é o da conversa recente entre o ex-prefeito de Bogotá, Enrique Peñalosa, e três governadores recém-eleitos. O ex-prefeito foi direto ao ponto: “polícia sem cidadania e sem reforma urbana é o mesmo que nada”. E, prosseguiu, “quando era prefeito, ao invés de gastar US$ 2,2 bilhões em auto-estradas que beneficiariam 15 %o da população de Bogotá, decidi usar o dinheiro em transporte público, e, com o que sobrou, investir em escolas de qualidade, bibliotecas, parques, ciclovias e melhorias das calçadas. Nós demos a cidade aos pobres que não tinham como usá-la”.

Tão simples quanto isso. Por que, então, já não fizemos o óbvio? Porque, de um lado, o arcaico senhoriato empresarial-político brasileiro empenhou-se em fabricar uma caricatura dos mais pobres como um bando de desclassificados indolentes, reprodutores irresponsáveis de criaturas que não sabem como alimentar e educar, e que, por isso mesmo, não merecem viver na mesma cidade que eles; de outro, porque boa parte dos que têm poder de agir na esfera pública e criticam essa concepção indigna do povo brasileiro demitiu-se, por cansaço ou decepção, da tarefa de formar uma elite comprometida com um projeto de nação. Elite, como bem disse a ministra Marina Silva, não é sinônimo de oligarquia vampiresca. Elite são os melhores; os que pensam e agem com a consciência da responsabilidade pública que têm, em função do poder social e da autoridade moral que souberam conquistar no legítimo exercício de seus talentos e competências.

Encontramos, neste ponto, o segundo exemplo, que nos foi dado a ver pelo cineasta João Jardim, em seu belo documentário Pro dia nascer feliz. O filme trata da escolarização de adolescentes brasileiros de pequenas cidades rurais do Nordeste, da periferia das grandes cidades do Sudeste e da alta classe média paulistana. O resultado é impactante. Como seria previsível, presenciamos a trajetória de garotos que terminaram cometendo crimes e foram parar nos aviltantes centros de detenção de menores. O mais importante, contudo, é a surpresa de testemunhar o vigor do desejo de auto-realização e de justiça que anima tantos jovens brasileiros que ainda não sucumbiram á lavagem cerebral do “este país não presta”. Da humilde garota pernambucana que supera obstáculos gigantescos para concretizar suas aspirações literárias ao depoimento de duas garotas da escola paulistana, o que vemos é o desenho humano do que deveria ser uma verdadeira elite. O caso das garotas privilegiadas, em especial, é ainda mais eloqüente, pois contraria em tudo o clichê de alienação e insensibilidade colado aos jovens desse grupo social. Em uma cena, duas dessas garotas conversam, e, ao se referirem à injustiça social que lhes deu tudo, privando a maioria de quase tudo, uma delas diz: “São dois mundos separados”. Ao que a outra, com uma acuidade intelectual cirúrgica, responde: “O pior é que não são dois mundos, é um mundo só”.

Eis uma das chaves da saída: um só mundo, um só povo. Com essa simples consciência, esses brasileirinhos decentes e encantadores mostram que possuem o senso de pertencimento a uma mesma comunidade de tradições, e, portanto, são capazes de reconhecer o direito dos demais ao mesmo respeito e oportunidade que lhes foram dados. No mundo deles - se permitirmos - mortes de inocentes como João Hélio serão lembradas, apenas, como dias de sombras que antecedem os dias de luz. No mundo deles - se permitirmos - a referência do pronome “nós”, na sensível expressão de Rorty, será estendida a todos os brasileiros e a todos aqueles que elegerem nosso país como um bom lugar para se viver. Sonho de bobo alegre, dirão os cínicos. Talvez. Mas - plagiando a rústica Macabéia de Clarice Lispector -, sem esse sonho, viver serve pra quê?


Jurandir Freire Costa
Se
Djavan

Você disse que não sabe se não
Mas também não tem certeza que sim
Quer saber?
Quando é assim
Deixa vir do coração
Você sabe que eu só penso em você
Você diz só que vive pensando em mim
Pode ser
Se é assim
Você tem que largar a mão do não
Soltar essa louca, arder de paixão
Não há como doer pra decidir
Só dizer sim ou não
Mas você adora um se...

Eu levo a sério mas você disfarça
Você me diz à beça e eu nessa de horror
E me remete ao frio que vem lá do sulInsiste em zero a zero e eu quero um a um
Sei lá o que te dá, não quer meu calor
São Jorge por favor me empresta o dragão
Mais fácil aprender japonês em braile
Do que você decidir se dá ou não.

A MINHA ALMA (PAZ QUE EU NÃO QUERO TER)

A minha alma tá armada e apontadaPara cara do sossego!
(Sêgo! Sêgo! Sêgo! Sêgo!)Pois paz sem voz, paz sem voz
Não é paz, é medo!
(Medo! Medo! Medo! Medo!)

As vezes eu falo com a vida,
As vezes é ela quem diz:
"Qual a paz que eu não quero conservar,
Prá tentar ser feliz?"

As grades do condomínio
São prá trazer proteção
Mas também trazem a dúvida
Se é você que tá nessa prisão

Me abrace e me dê um beijo,
Faça um filho comigo!
Mas não me deixe sentar na poltrona
No dia de domingo, domingo!

Procurando novas drogas de aluguel
Neste vídeo coagido...
É pela paz que eu não quero seguir admitido

É pela paz que eu não quero seguir
É pela paz que eu não quero seguir
É pela paz que eu não quero seguir admitido

ZUMBI HÉROI DE UNS E VILÃO DE OUTROS

Zumbi foi o grande líder do quilombo dos Palmares, respeitado herói da resistência anti-escravagista. Pesquisas e estudos indicam que nasceu em 1655, sendo descendente de guerreiros angolanos. Em um dos povoados do quilombo, foi capturado quando garoto por soldados e entregue ao padre Antonio Melo, de Porto Calvo. Criado e educado por este padre, o futuro líder do Quilombo dos Palmares já tinha apreciável noção de Português e Latim aos 12 anos de idade, sendo batizado com o nome de Francisco. Padre Antônio Melo escreveu várias cartas a um amigo, exaltando a inteligência de Zumbi (Francisco). Em 1670, com quinze anos, Zumbi fugiu e voltou para o Quilombo. Tornou-se um dos líderes mais famosos de Palmares. "Zumbi" significa: a força do espírito presente. Baluarte da luta negra contra a escravidão, Zumbi foi o último chefe do Quilombo dos Palmares.
O nome Palmares foi dado pelos portugueses, devido ao grande número de palmeiras encontradas na região da Serra da Barriga, ao sul da capitania de Pernambuco, hoje estado de Alagoas. Os que lá viviam chamavam o quilombo de Angola Janga (Angola Pequena). Palmares constituiu-se como abrigo não só de negros, mas também de brancos pobres, índios e mestiços extorquidos pelo colonizador. Os quilombos, que na língua banto significam "povoação", funcionavam como núcleos habitacionais e comerciais, além de local de resistência à escravidão, já que abrigavam escravos fugidos de fazendas. No Brasil, o mais famoso deles foi Palmares.
O Quilombo dos Palmares existiu por um período de quase cem anos, entre 1600 e 1695. No Quilombo de Palmares (o maior em extensão), viviam cerca de vinte mil habitantes. Nos engenhos e senzalas, Palmares era parecido com a Terra Prometida, e Zumbi, era tido como eterno e imortal, e era reconhecido como um protetor leal e corajoso. Zumbi era um extraordinário e talentoso dirigente militar. Explorava com inteligência as peculiaridades da região. No Quilombo de Palmares plantavam-se frutas, milho, mandioca, feijão, cana, legumes, batatas. Em meados do século XVII, calculavam-se cerca de onze povoados. A capital, era Macaco, na Serra da Barriga.
A Domingos Jorge Velho, um bandeirante paulista, vulto de triste lembrança da história do Brasil, foi atribuído a tarefa de destruir Palmares. Para o domínio colonial, aniquilar Palmares era mais que um imperativo atribuído, era uma questão de honra. Em 1694, com uma legião de 9.000 homens, armados com canhões, Domingos Jorge Velho começou a empreitada que levaria à derrota de Macaco, principal povoado de Palmares. Segundo Paiva de Oliveira, Zumbi foi localizado no dia 20 de novembro de 1695, vítima da traição de Antônio Soares. “O corpo perfurado por balas e punhaladas foi levado a Porto Calvo. A sua cabeça foi decepada e remetida para Recife onde, foi coberta por sal fino e espetada em um poste até ser consumida pelo tempo”.
O Quilombo dos Palmares foi defendido no século XVII durante anos por Zumbi contra as expedições militares que pretendiam trazer os negros fugidos novamente para a escravidão. O Dia da Consciência Negra é celebrado em 20 de novembro no Brasil e é dedicado à reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira. A data foi escolhida por coincidir com o dia da morte de Zumbi dos Palmares, em 1695.
A lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, incluiu o dia 20 de novembro no calendário escolar, data em que comemoramos o Dia Nacional da Consciência Negra. A mesma lei também tornou obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. Nas escolas as aulas sobre os temas: História da África e dos africanos, luta dos negros no Brasil, cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, propiciarão o resgate das contribuições dos povos negros nas áreas social, econômica e política ao longo da história do país.
Língua

Caetano Veloso

LínguaCaetano VelosoGosta de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de CamõesGosto de ser e de estarE quero me dedicar a criar confusões de prosódiaE uma profusão de paródiasQue encurtem doresE furtem cores como camaleõesGosto do Pessoa na pessoaDa rosa no RosaE sei que a poesia está para a prosaAssim como o amor está para a amizadeE quem há de negar que esta lhe é superior?E deixe os Portugais morrerem à míngua“Minha pátria é minha língua”Fala Mangueira! Fala!
Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em póO que querO que pode esta língua?
Vamos atentar para a sintaxe dos paulistasE o falso inglês relax dos surfistasSejamos imperialistas! Cadê? Sejamos imperialistas!Vamos na velô da dicção choo-choo de Carmem MirandaE que o Chico Buarque de Holanda nos resgateE – xeque-mate – explique-nos LuandaOuçamos com atenção os deles e os delas da TV GloboSejamos o lobo do lobo do homemLobo do lobo do lobo do homemAdoro nomesNomes em ãDe coisas como rã e ímãÍmã ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímãNomes de nomesComo Scarlet Moon de Chevalier, Glauco Mattoso e Arrigo Barnabée Maria da Fé
Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em póO que querO que pode esta língua?
Se você tem uma idéia incrível é melhor fazer uma cançãoEstá provado que só é possível filosofar em alemãoBlitz quer dizer coriscoHollywood quer dizer AzevedoE o Recôncavo, e o Recôncavo, e o Recôncavo meu medoA língua é minha pátriaE eu não tenho pátria, tenho mátriaE quero frátriaPoesia concreta, prosa caóticaÓtica futuraSamba-rap, chic-left com banana
(– Será que ele está no Pão de Açúcar?
– Tá craude brô– Você e tu– Lhe amo
– Qué queu te faço, nego?– Bote ligeiro!
– Ma’de brinquinho, Ricardo!? Teu tio vai ficar desesperado!
– Ó Tavinho, põe camisola pra dentro, assim mais pareces um espantalho!
– I like to spend some time in Mozambique
– Arigatô, arigatô!)
Nós canto-falamos como quem inveja negrosQue sofrem horrores no Gueto do HarlemLivros, discos, vídeos à mancheiaE deixa que digam, que pensem, que falem.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

A BABOSEIRA SEM FIM DA COLOCAÇÃO PRONOMINAL

Marcos Bagno

O brasileiro é o único povo do mundo que precisa aprender uma infinidade de regras para um-dia-talvez-quem-sabe empregar "corretamente" os pronomes oblíquos. Algo que deveria ser absolutamente simples, intuitivo, natural, espontâneo, tranqüilo se transformou, por força da paranóia gramatiqueira que impera na nossa cultura, em fonte de insegurança, incerteza, receio e baixa-estima lingüística.
A famigerada "colocação pronominal" vem ocupando as discussões sobre língua no Brasil há pelo menos cento e cinqüenta anos. Ela representa decerto o melhor exemplo do esforço insano dos puristas babacas em impedir o reconhecimento de uma língua caracteristicamente brasileira. Por isso, é muito mais uma questão sociocultural (e, por conseguinte, política) do que uma questão de ordem gramatical, lingüística. Saber colocar "corretamente" os pronomes virou uma marca de distinção, o conhecimento de alguma coisa "difícil" e "sofisticada" que exige algum grau de inteligência superior, necessário para separar os que merecem ocupar os postos de comando da sociedade dos que merecem ficar em posição subalterna. É preciso então denunciar essa história toda como uma grande baboseira, uma perda de tempo e um desserviço à cidadania.A colocação pronominal é o que melhor revela a subserviência da nossa tradição purista frente aos modelos importados de Portugal. As regras que as gramáticas prescrevem funcionam muito bem para a língua dos portugueses - simplesmente porque elas correspondem aos usos reais que os portugueses fazem dos pronomes, usos que decorrem das características fonético-fonológicas da língua deles (que é diferente da nossa). Os portugueses não "erram" na hora de colocar os pronomes porque, para sorte deles, as colocações consideradas certas são as que eles já usam, naturalmente, intuitivamente! Por que não pode ser assim também no Brasil?
Esqueça tudo o que você tem lido sobre colocação pronominal e faça, por favor, o teste abaixo:Assinale em cada série a alternativa que corresponde ao seu modo de falar mais natural e espontâneo:

1.a) Você pode me emprestar uma caneta?
b) Você pode emprestar-me uma caneta?
c) Você me pode emprestar uma caneta?

2.a) O trabalho tem me ocupado demais ultimamente.
b) O trabalho me tem ocupado demais ultimamente.

3.a) Me disseram que você parou de fumar, é verdade?
b) Disseram-me que você parou de fumar, é verdade?

4.a) Me ajuda aqui!
b) Ajuda-me aqui!

5.a) A festa se realizará no saguão da igreja.
b) A festa realizar-se-á no saguão da igreja.

Se você assinalou, em todos os casos, as alternativas com letra (a), parabéns: você é um(a) legítimo(a) falante do português brasileiro contemporâneo! E como todos os falantes do português brasileiro contemporâneo, você sabe, intuitivamente, que só existe uma única regra de colocação pronominal na nossa língua: a próclise ao verbo principal, isto é, o pronome colocado antes do verbo principal. Pronto, gente, acabou! Tá tudo resolvido! Vamos agora cuidar do que interessa, tentar pagar as contas do mês e levar a nossa vida em paz
GRAMÁTICA DO SACCONI? CHAMEM O PROCON!

Marcos bagno

A revista IstoÉ tomou uma iniciativa deplorável: oferecer a seus leitores, em fascículos, a Novíssima Gramática Ilustrada Sacconi. É o caso de acionar o Procon, porque o "novíssima" do título encobre o que há de mais antiquado, conservador e reacionário em termos de estudos gramaticais. Luiz Antonio Sacconi é famoso pela maneira dogmática, autoritária e extremamente preconceituosa com que tenta preservar o modelo idiossincrático de "língua certa" que ele inventou e que, muitas vezes, bate de frente com a própria tradição normativa em que ele alega se basear. O maior problema de tudo o que ele faz, porém, não tem a ver com a doutrina gramatical (ainda que torta) que ele prescreve e, sim, com o discurso fascistóide que ele emprega para isso. Em seu livro mais conhecido, Não Erre Mais!, Sacconi usa dezenas de vezes a palavra "asno" (e seus derivados "asinino" e "asnice") para qualificar as pessoas que não falam como ele quer. Ali também ele usa expressões como "língua de jacu" para as variedades lingüísticas que se distanciam do modelo irracional que tenta impor. Diversos grupos sociais são contemplados por ele com observações preconceituosas: os peões, os analfabetos, os imigrantes italianos, os idosos, os jornalistas, os filiados ao PT, os afrodescendentes, os índios, os baianos e por aí vai. Em atitude típica do purista exacerbado, tentando convencer o leitor a aceitar suas prescrições, ele escreve: "Não perca nenhum tempo em perguntar por quê, caro leitor: basta não esquecer que estamos estudando a língua portuguesa. Com certeza". Com isso, tenta convencer o falante nativo de que "português é muito difícil" e que só com o auxílio de algum "iluminado" ele poderá algum-dia-talvez-quem-sabe falar razoavelmente bem sua própria língua materna... Do ponto de vista das concepções lingüísticas do autor, o livro é um rematado desastre. Condena usos que já estão há muito consagrados na norma literária real (e não na fictícia, que só ele conhece), abonados nos mais diversos dicionários e na obra de muitos escritores de reconhecido talento. Tenta impor formas arcaicas, que causariam estranheza a qualquer falante bem instruído, e abolir construções que são perfeitamente aceitáveis, resultantes das inevitáveis transformações por que a língua passa. Sua desinformação acerca das noções básicas de lingüística, sobretudo de sociolingüística e de história da língua, leva ele a atribuir obsessivamente à "Bahia" e a uma suposta "influência africana" uma série de variantes do português do Brasil que se encontram documentadas nas mais diversas regiões do país, inclusive naquelas em que a presença negra foi ou é mínima. O que ele diz a respeito das línguas indígenas carece igualmente de toda fundamentação científica.Mas eu poderia ter dispensado todos esses comentários. Bastaria um único exemplo para mostrar a insanidade que rege o trabalho de Sacconi. Num dicionário escolar (pobres alunos!) assinado por ele, assim aparece o verbete peidar-se: "soltar gases pelo ânus involuntária e repetidamente, principalmente no momento do coito (a mulher)". Cadê o Procon? Cadê a Vigilância Sanitária? Cadê os grupos de defesa dos direitos humanos?
Funk carioca: crime ou cultura?

O som dá medo. E prazer. Afirma a autora, a jovem Janaína Medeiros, na capa do livro. Minha primeira impressão foi de que o título da obra, o mesmo deste pôste, fosse apelativo, coisa de jornalista em busca de atenção para a matéria. Qual nada! Eu, fã de funk que sou, da música, da parte eletrônica, principalmente, – aquilo é “som de preto, de favelado e quando toca ninguém fica parado” -, me surpreendi com o processo cruel e insano de criminalização do funk no Rio de Janeiro. Dá medo, coisa orquestrada por demônios. No funk gosto também das meninas, Tati Quebra-Barraco e Deize Tigrona, duas grandes líderes, cada uma com estilo próprio. Gosto de Cidinho & Doca, autores do Rap da Felicidade (Eu só quero é ser feliz/andar tranqüilamente na favela onde eu nasci...) e me intriga a trajetória do polêmico Mr. Catra, talvez o nível de escolaridade mais elevado do funk. Num mundo onde a maioria das pessoas abandonou a escola para trabalhar muito cedo, logo depois de completar as quatro ou cinco primeiras séries, Catra chegou à universidade e desprezou o curso de Direito para ser artista. Foi roqueiro, rapper, até chegar a funkeiro, o Mr. Catra do funk, com muito orgulho. Além disso, empresário e promotor de eventos, gerador de trabalho remunerado pra moçada, direta e indiretamente (vendedores de cachorro-quente, churrasquinho de gato, outras comidas e bebidas, etc). Ah, e canta samba, e faz participações em disco dos Racionais e dos Raimundos. O cara é um liquidificador em pessoa. Faz muitos filhos também, tem doze, com sete mulheres diferentes. Esse é o mundo real. Um mundo que reúne até dois milhões de jovens (pretos e favelados) em cerca de 700 bailes por final de semana na cidade do Rio de Janeiro. Jovens que têm goteira em casa, quando têm telhado, experimentam a ausência de todos os serviços básicos, coisa que a classe média não poderia imaginar o que seja, e que, quando chega o final de semana, não querem falar sobre isto, demonstrar consciência social e política para regozijo nosso. Querem mesmo é colocar a calça apertadinha, no caso das meninas, e a bermuda larga, no caso dos meninos, rebolar bastante (os meninos destrancaram os quadris depois de findos os bailes de briga), soltar a voz e falar de sexo. Fazer sexo também, que ninguém é de ferro. Depois do baile voltam para a vida real. Vai vendo, como diz o pessoal da quebrada. A intenção do livro de Janaína foi “relatar como o funk tem sido criativo e persistente para sobreviver e derrubar preconceitos, apesar da mídia e a sociedade tentarem demonizá-lo e tornar seu público invisível (jovens negros, pobres e favelados). Mesmo sendo ele hiper visível nas ruas, nos pontos de ônibus, nas escolas, nas filas de emprego, nos sinais de trânsito” (p.10). Conseguiu. Numa analogia certeira e fundamentada, Janaína mostra como o samba e o funk sofreram perseguição da polícia quando ganharam notoriedade. Mas também, quais eram (são) os protagonistas de ambos? Nos surpreende com a informação de que mais gente do samba, além do contemporâneo e criativo Ivo Meireles da Mangueira, teve um caso de amor com o funk. Também era admirador do ritmo, o mítico Delegado, mestre-sala maior da verde-e-rosa e do carnaval brasileiro. Ele gostava de funk e chegou a dançá-lo. Dizia que era tudo a mesma coisa, samba e funk. Lembrei-me de Mestre Pastinha que afirmava ser Mestre Bimba (construído como seu principal opositor na concepção filosófica e gestual da Capoeira) tão angoleiro quanto ele. O lendário sambista Candeia também não escondia sua paixão pelo funk, mesmo tendo feito afirmações ideológico-musicais pró-samba em oposição ao funk, em atendimento a pressões do mercado fonográfico. O livro me ajudou a entender também, mais três ou quatro coisas fundamentais: historiou o processo de nacionalização do funk e de distensão com o Hip Hop, principalmente o de São Paulo, a partir do momento em que este incorpora ao seu discurso reivindicações do Movimento Negro e o funk, a seu turno, exacerba letras marcadas pelo escracho, duplo sentido e irreverência. Aprendi que os “bondes” (grupos de funkeiras e funkeiros que se apresentam e competem nos bailes) foram iniciados pelas mulheres, por Deize Tigrona, na Cidade de Deus, e que esses bondes tiveram papel fundamental para promover um modelo de baile no qual a violência foi substituída pela criatividade e pela sensualidade. Teve também papel definitivo nessa passagem da guerra à paz, a criminalização e conseqüente prisão dos promotores dos "bailes de briga" (donos de equipes de som). Os “bailes de briga” (Lado A/Lado B) foram exaustivamente mostrados pelo Globo Repórter da TV Globo, mas sem discutir a responsabilidade pela promoção da praça de guerra que em poucos anos ceifou a vida de dezenas de jovens e causou danos a centenas de outras. Pude entender as principais linhas políticas do funk (esta é a minha leitura politizada da coisa, a autora não adota a expressão): o funk irreverente, com duplo sentido; o funk consciente, com letras sociais e o “rap de contexto”, popularizado no asfalto como “proibidão”. Depois do fim dos bailes de corredor ou de briga, por volta de 1998, diz-nos Janaína que o funk consciente voltou a chamar a atenção da mídia de maneira negativa. “Suas letras faziam relatos de violência e convivência com o tráfico na realidade. E as melodias, muitas vezes, reproduziam o som dos tiroteios – constantes na favela e ouvidos pelos vizinhos do asfalto. Paralelamente, um pequeno segmento de funkeiros passou a produzir funks clandestinos dentro das comunidades, cujas letras exaltam traficantes locais e ridicularizam a corporação policial. Conhecidos como 'raps de contexto', eles têm autoria sempre clandestina e só tocam dentro dos chamados bailes de comunidade. Não demorou até que a imprensa tomasse conhecimento desse filão e o apelidasse de ‘proibidão’. Em pouco tempo, a mídia e a opinião pública puseram o funk consciente e os proibidões no mesmo saco. Isso só contribuiu para reforçar o preconceito contra o funk e o distanciar cada vez mais do reconhecimento como movimento cultural” (pp. 69 e 70). Para se defender das acusações de apologia ao crime, Mr. Catra afrima que: “Ninguém está incitando ninguém. Ninguém vira bandido por causa do funk. O funk é uma crônica. Junto com muito suingue, muita pancada, muita dança, muito suor. O que acontece é que as pessoas ainda não se acostumaram a conviver com a realidade dos outros, tá ligado?” Falou e disse! (Da esquerda para a direita: Tati Quebra-Barraco; Mr. Catra; capa do livro e Deize Tigrona).

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Cordel dos Excomungados

Miguezim de Princesa - Poeta popular,
paraibano radicado em Brasília.
I
Peço à musa do improviso
Que me dê inspiração,
Ciência e sabedoria,
Inteligência e razão,
Peço que Deus que me proteja
Para falar de uma igreja
Que comete aberração.
II
Pelas fogueiras que arderam
No tempo da Inquisição,
Pelas mulheres queimadas
Sem apelo ou compaixão,
Pensava que o Vaticano
Tinha mudado de plano,
Abolido a excomunhão.
III
Mas o bispo Dom José,
Um homem conservador,
Tratou com impiedade
A vítima de um estuprador,
Massacrada e abusada,
Sofrida e violentada,
Sem futuro e sem amor.
IV
Depois que houve o estupro,
A menina engravidou.
Ela só tem nove anos,
A Justiça autorizou
Que a criança abortasse
Antes que a vida brotasse
Um fruto do desamor.
V
O aborto, já previsto
Na nossa legislação,
Teve o apoio declarado
Do ministro Temporão,
Que é médico bom e zeloso,
E mostrou ser corajoso
Ao enfrentar a questão.
VI
Além de excomungar
O ministro Temporão,
Dom José excomungou
Da menina, sem razão,
A mãe, a vó e a tia
E se brincar puniria
Até a quarta geração.
VII
É esquisito que a igreja,
Que tanto prega o perdão,
Resolva excomungar médicos
Que cumpriram sua missão
E num beco sem saída
Livraram uma pobre vida
Do fel da desilusão.
VIII
Mas o mundo está virado
E cheio de desatinos:
Missa virou presepada,
Tem dança até do pepino,
Padre que usa bermuda,
Deixando mulher buchuda
E bolindo com os meninos.
IX
Milhões morrendo de Aids:
É grande a devastação,
Mas a igreja acha bom
Furunfar sem proteção
E o padre prega na missa
Que camisinha na lingüiça
É uma coisa do Cão.
X
E esta quem me contou
Foi Lima do Camarão:
Dom José excomungou
A equipe de plantão,
A família da menina
E o ministro Temporão,
Mas para o estuprador,
Que por certo perdoou,
O arcebispo reservou
A vaga de sacristão.

Menina de 9 anos aborta! Excomunhão é justa?

Excomunhão é um alerta para a sociedade brasileiraA indignação da sociedade brasileira frente à recente excomunhão perpetrada pelo Arcebispo de Recife foi plasmada na fala do Presidente da República sobre o episódio. Lula afirmou que os médicos fizeram o que tinham que fazer, salvando a vida de uma menina de 09 anos, ressaltando que a Medicina tem mais razão que a Igreja.Merece atenção a resposta do Arcebispo, quando afirma que a lei de Deus está acima de qualquer lei humana. Numa democracia a lei de Deus não pode estar acima da lei dos homens, pois é dever do Estado garantir a igual liberdade religiosa de todos os cidadãos, respeitadas a diversidade de crenças e visões de mundo, inclusive daqueles que não crêem.A excomunhão, portanto, serve de alerta para a sociedade brasileira. Se hoje os cidadãos não precisam temer represálias religiosas quando exercem seus direitos, é porque em 1890 foi decretada a separação Estado-igrejas, garantindo-se a inviolabilidade de consciência e de crença. Antes disso, a pena de excomunhão surtia efeitos no mundo jurídico, podendo vitimar os cidadãos com a chancela do Estado-juiz.Naquele largo período da história brasileira, fundamentalistas religiosos, como o Arcebispo de Recife, tinham muito poder, pois pecar era ilegal.Está nas mãos do Congresso Nacional preservar a separação Estado-igrejas, rejeitando a Concordata assinada por Lula e Ratzinger em 2008, a qual viola o artigo 19, I, da Constituição Federal, estabelecendo uma aliança com a Igreja Católica, colocando-a acima das demais religiões professadas no Brasil, em detrimento das liberdades individuais.