sábado, 29 de agosto de 2009

Razão de Ser_paulo leminsky

Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Um debate entre Chomsky e Foucault

Daniel Mermet

Este texto é parte de uma discussão, em francês e inglês, protagonizada por Noam Chomsky e Michel Foucault na Escola Superior de Tecnologia de Eindhoven (Países-Baixos), em novembro de 1971. Quase quarenta anos depois, é ainda muito interessante relê-lo, quer pela inteligência dos argumentos dos debatedores, quer como retrato de uma época, que hoje parece tão distante (nota da edição brasileira).

Chomsky: A desobediência civil implica um desafio direto a isso que o Estado reivindica, erradamente em minha opinião, ser a lei. (…) Conduzir uma ação que impeça o Estado de cometer crimes é completamente justo, assim como violar o código de trânsito para impedir um homicídio. Se eu ultrapasso um sinal vermelho para impedir que um grupo de pessoas seja metralhado, não há um ato ilegal, mas de assistência a pessoas em perigo. Nenhum juiz em sã consciência me incriminaria.

Foucault: Nos Estados Unidos, quando comete um ato ilegal, você o justifica em função de uma justiça ideal ou de uma legalidade superior ou pela necessidade da luta de classes, por ser essencial para o proletariado naquele momento em sua luta contra a classe dominante?
Chomsky: Creio que, na maioria das vezes, seria muito razoável agir contra as instituições legais de uma determinada sociedade, se isso permitisse abalar suas fontes de poder e opressão. No entanto, em larga medida, a lei existente representa certos valores humanos respeitáveis. Corretamente interpretada, essa lei permite contornar as ordens do Estado. Creio que é importante explorar esse fato e explorar os domínios corretamente definidos da lei e, a seguir, talvez agir apenas contra os que ratificam um sistema de poder.


Foucault: Então, é em nome de uma justiça mais pura que você critica o funcionamento da justiça. Mas, se a justiça está em jogo num combate, é como instrumento de poder; não é na esperança de que um dia, finalmente, nesta sociedade ou em outra, as pessoas sejam recompensadas de acordo com seu mérito ou punidas conforme os seus erros. Em vez de pensar na luta social em termos de justiça, é preciso pensar na justiça em termos de luta social. O proletariado não luta contra a classe dirigente por considerar que essa guerra é justa. O proletariado luta contra a classe dirigente porque, pela primeira vez na história, quer tomar o poder. E porque quer derrubar o poder da classe dirigente, considera que essa guerra é justa.


Chomsky: Não concordo.


Foucault: Faz-se a guerra para ganhar, não porque ela é justa.

Chomsky: Pessoalmente, não concordo. Por exemplo, se eu me convencesse de que a ascensão do proletariado pudesse levar a um Estado policial terrorista, onde a liberdade, a dignidade e as relações humanas decentes desaparecessem, eu tentaria impedi-la. Acho que a única razão para apoiar essa eventualidade é acreditar, com ou sem razão, que os valores humanos fundamentais possam se beneficiar com essa transferência de poder.


Foucault: Quando o proletariado tomar o poder, é possível que ele exerça contra as classes sobre as quais tenha triunfado um poder violento, ditatorial e até mesmo sangrento. Não vejo que objeção se possa fazer a isso. Agora, você me dirá: e se o proletariado exerce esse poder sangrento, tirânico e injusto contra si mesmo? Então, eu responderei: isso só pode ocorrer se o proletariado não tiver tomado o poder realmente, mas, sim, uma classe externa ao proletariado ou um grupo de pessoas, uma burocracia ou os restos da pequena burguesia.


Chomsky: Essa teoria da revolução não me satisfaz por uma série de razões, históricas ou não. Mesmo que a aceitássemos no âmbito da argumentação, essa teoria sustenta que o proletariado tem o direito de tomar o poder e de exercê-lo com violência, injustiça e sangue, sob o pretexto, a meu ver errôneo, de que isso levará a uma sociedade mais justa, onde o Estado se enfraquecerá e onde os proletários formarão uma classe universal etc. Sem essa justificativa futura, a idéia de uma ditadura violenta e sangrenta do proletariado seria perfeitamente injusta (...) Sou muito cético quanto a uma ditadura violenta e sangrenta do proletariado, principalmente quando ela é expressa por representantes autodesignados de um partido de vanguarda que — e temos experiência histórica suficiente para saber ou prever isso — serão simplesmente os novos dirigentes dessa sociedade.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

A Imortalidade( JORGE LUIS BORGES )

Ser imortal é coisa sem importância. Excepto o homem, todas as criaturas osão, porque ignoram a morte. O divino, o terrível, o incompreensível, éconsiderar-se imortal. Já notei que, embora desagrade às religiões, essaconvicção é raríssima. Israelitas, cristãos e muçulmanos professam aimortalidade, mas a veneração que dedicam ao primeiro século prova que apenascrêem nele, e destinam todos os outros, em número infinito, para o premiar oupara o castigar.Mais razoável me parece o círculo descrito por certas religiões do Indostão.Nesse círculo, que não tem princípio nem fim, cada vida é uma consequência daanterior e engendra a seguinte, mas nenhuma determina o conjunto... Doutrinadapor um exercício de séculos, a república dos homens imortais tinha conseguido aperfeição da tolerância e quase do desdém. Sabia que num prazo infinito ocorrema qualquer homem todas as coisas. Pelas suas passadas ou futuras virtudes,qualquer homem é credor de toda a bondade, mas também de toda a traição pelassuas infâmias do passado ou do futuro. Assim como nos jogos de azar as cifraspares e ímpares permitem o equilíbrio, assim também se anulam e se corrigem oengenho e a estupidez.(...) Ninguém é alguém, um único homem imortal é todos os outros homens. ComoCornelio Agrippa, sou deus, sou herói, sou filósofo, sou demónio e sou o mundo,o que é uma forma cansativa de dizer que não sou.(...) A morte (ou a sua alusão) torna os homens delicados e patéticos. Estescomovem-se pela sua condição de fantasmas. Cada acto que executam pode ser oúltimo. Não há um rosto que não esteja por se desfigurar como o rosto de umsonho. Tudo, entre os mortais, tem o valor do irrecuperável e do perdido. Entreos Imortias, pelo contrário, cada acto (e cada pensamento) é o eco de outros queno passado o antecederam, sem princípio visível, ou o claro presságio de outrosque, no futuro, o repetirão até à vertigem. Não há coisa que não esteja perdidaentre infatigáveis espelhos. Nada pode ocorrer uma só vez, nada é primorosamentegratuito. O elegíaco, o grave, o cerimonial, não contam para os Imortais. Homeroe eu separamo-nos nas portas de Tânger. Creio que não nos despedimos.
Ser imortal é coisa sem importância. Excepto o homem, todas as criaturas osão, porque ignoram a morte. O divino, o terrível, o incompreensível, éconsiderar-se imortal. Já notei que, embora desagrade às religiões, essaconvicção é raríssima. Israelitas, cristãos e muçulmanos professam aimortalidade, mas a veneração que dedicam ao primeiro século prova que apenascrêem nele, e destinam todos os outros, em número infinito, para o premiar oupara o castigar.Mais razoável me parece o círculo descrito por certas religiões do Indostão.Nesse círculo, que não tem princípio nem fim, cada vida é uma consequência daanterior e engendra a seguinte, mas nenhuma determina o conjunto... Doutrinadapor um exercício de séculos, a república dos homens imortais tinha conseguido aperfeição da tolerância e quase do desdém. Sabia que num prazo infinito ocorrema qualquer homem todas as coisas. Pelas suas passadas ou futuras virtudes,qualquer homem é credor de toda a bondade, mas também de toda a traição pelassuas infâmias do passado ou do futuro. Assim como nos jogos de azar as cifraspares e ímpares permitem o equilíbrio, assim também se anulam e se corrigem oengenho e a estupidez.(...) Ninguém é alguém, um único homem imortal é todos os outros homens. ComoCornelio Agrippa, sou deus, sou herói, sou filósofo, sou demónio e sou o mundo,o que é uma forma cansativa de dizer que não sou.(...) A morte (ou a sua alusão) torna os homens delicados e patéticos. Estescomovem-se pela sua condição de fantasmas. Cada acto que executam pode ser oúltimo. Não há um rosto que não esteja por se desfigurar como o rosto de umsonho. Tudo, entre os mortais, tem o valor do irrecuperável e do perdido. Entreos Imortias, pelo contrário, cada acto (e cada pensamento) é o eco de outros queno passado o antecederam, sem princípio visível, ou o claro presságio de outrosque, no futuro, o repetirão até à vertigem. Não há coisa que não esteja perdidaentre infatigáveis espelhos. Nada pode ocorrer uma só vez, nada é primorosamentegratuito. O elegíaco, o grave, o cerimonial, não contam para os Imortais. Homeroe eu separamo-nos nas portas de Tânger. Creio que não nos despedimos.

Os Antigos(FERNANDO PESSOA)

Os antigos invocavam as Musas
Nós invocamo-nos a nós mesmos.
Não sei se as Musas apareciam
Seria sem dúvida conforme o invocado e a invocação.
Mas sei que nós não aparecemos.
Quantas vezes me tenho debruçado
Sobre o poço que me suponho
E balido "Ah!" para ouvir um eco,
E não tenho ouvido mais que o visto
O vago alvor escuro com que a água resplandece
Lá na inutilidade do fundo...
Nenhum eco para mim...
Só vagamente uma cara,
Que deve ser a minha, por não poder ser de outro.
E uma coisa quase invisível,
Exceto como luminosamente vejo
Lá no fundo...
No silêncio e na luz falsa do fundo...
Que Musa! ...


Essa lembrança que nos vem às vezes... folha súbita que tomba abrindo na memória a flor silenciosa de mil e uma pétalas concêntricas... Essa lembrança...mas de onde? de quem? Essa lembrança talvez nem seja nossa, mas de alguém que, pensando em nós, só possa mandar um eco do seu pensamento nessa mensagem pelos céus perdida... Ai! Tão perdida que nem se possa saber mais de quem(Frases e Pensamentos de Mário Quintana)

Distâncias Mínimas ( PAULO LEMINSKI )

um texto morcego
se guia por ecos
um texto texto cego
um eco anti anti anti antigo
um grito na parede rede redevolta verde verde verde
com mim com com consigoouvir é ver se se se se se

Feliz juventude! Tempo maravilhoso o do primeiro sonho de amor! O homem é criança que sente-se feliz ouvidando o eco de sua voz, que revive conversação amorosa e permanece feliz ainda que o interlocutor não repita senão as últimas sílabas de palavras lançadas ao vento

importante para reflexão

"pra que serve as luzes,se o homem civilizado se mostra mais estúpido e ignorante em relação ao outro"

O apanhador de desperdícios

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

FOME, SEDE E VONTADE DE LER_Fabiano Cambota

Os biólogos, cientistas, cientificistas - enfim, qualquer estudioso do corpo humano - não cansam de afirmar e reafirmar a perfeição do corpo humano. A mais completa máquina já criada. O complexo sistema de células, órgãos, substâncias que sintetizam a perfeição. Pois tratemos de discordar. O corpo necessita de combustíveis. Se precisamos de água, temos sede. De comida, temos fome. Nunca paramos de respirar. Por que nos falta uma necessidade de ler? Alias, não há sequer um nome pra isso. Simplesmente “a necessidade de ler”. Algo como a manutenção da intelectualidade, ou da saúde do cérebro. Ler. Ler como quem mata a sede. Como quem avança sobre um prato de comida. Um copo de água bem gelada e uma Clarice. Uma lasanha e um Machado. Para todos os dias, arroz, feijão e Allan Poe.

A falta de leitura deveria ser retratada em fotografia premiada pela National Geographic. Concorrentes do “Foto do ano de 2004”: O menino faminto da Etiópia, a baleia encalhada da Antártida e o Sem-livro do Brasil. Deveria estar estampado na cara do sujeito: “Sou subletrado”.

Não se justifica com a situação do nosso país. Não se trata aqui da falta de incentivo e de educação, já notória e discutida. Mas de atitude.

Os jovens - ah, sempre os jovens – não conseguem, ou não querem, enxergar o benefício da leitura. Qualquer leitura. E os jovens crescem, ou já cresceram, subletrados. Daí a pergunta: E se houvesse uma necessidade física? Penso que ainda há o que mudar na estrutura humana. Que tal essa dica? Hein! Na falta de uma terminologia melhor, fica a “fome de leitura”, ou a FOMURA. O menino grita: “Manhêêê, to com uma fomura danada”. E ela vem correndo com a Ruth Rocha que é pro menino parar de reclamar. O pai, no meio da noite, acorda com o choro do bebê. Dá a mamadeira, troca a fralda e lê o Ziraldo enquanto o neném não consegue sozinho. O casal de namorados vai sair a noite. Jantar, choppinho ou leitura? O rapaz mais afoito sugeriria um João Ubaldo. O divorciado um Nabokov. O mais esperto um Vinícius (sim, elas ainda adoram). E a combinação vinho, massa e Drummond? Irresistível.
O sonho enfim se concretizaria com o obeso-literato. Aquele que, de madrugada, assalta a estante. Acha que não faz mal um Parnasianismozinho durante as refeições. Vai ao médico, o letricionista, que lhe passa uma dieta a base de romance. Nada muito pesado. Depois das 20 horas, só Sidney Sheldon. Mas cai em tentação e é flagrado com “Crime e Castigo” nas mãos. A família se preocupa. Tornou-se um livrólatra. Só o L.A. poderá salvá-lo. Nas reuniões com o grupo de viciados em literatura, ele conta sua saga: “Bem, comecei aos 10 anos. Como todo mundo. Fadas, chapéus, narizes que cresciam. Depois eu parti pros livros menores. Mas quando você menos espera, já está devorando um Jorge Amado numa sentada só”. Um “ooh” ecoa na sala. Senhoras comentam entre si. “Tão novinho e tão letrado né!”Bibliotecas lotadas. Um silêncio ensurdecedor. Filas enormes para entrar. É muita gente morrendo de fomura. Consegue uma mesa, pede o menu.

- Por favor, me vê duas Cecílias. E pro menino pode ser um Lobato, que ele adora!!

- Senhor! Nossas Cecílias acabaram.

- O quê? E o que você sugere?

- Nosso Eça é legítimo, senhor! E temos Camões
- É que os portugueses são caros né! E meu médico me proibiu Camões durante a semana.

- Algum Andrade?

- Não sei. Não sei. To indeciso ainda.

Depois de alguns minutos pensando e testando a paciência do rapaz que lhe servia...

-Ah, vou de Paulo coelho mesmo que é só pra matar a fomura.


Fabiano Cambota é líder e vocalista da Banda Pedra Letícia.