terça-feira, 18 de agosto de 2009

A Imortalidade( JORGE LUIS BORGES )

Ser imortal é coisa sem importância. Excepto o homem, todas as criaturas osão, porque ignoram a morte. O divino, o terrível, o incompreensível, éconsiderar-se imortal. Já notei que, embora desagrade às religiões, essaconvicção é raríssima. Israelitas, cristãos e muçulmanos professam aimortalidade, mas a veneração que dedicam ao primeiro século prova que apenascrêem nele, e destinam todos os outros, em número infinito, para o premiar oupara o castigar.Mais razoável me parece o círculo descrito por certas religiões do Indostão.Nesse círculo, que não tem princípio nem fim, cada vida é uma consequência daanterior e engendra a seguinte, mas nenhuma determina o conjunto... Doutrinadapor um exercício de séculos, a república dos homens imortais tinha conseguido aperfeição da tolerância e quase do desdém. Sabia que num prazo infinito ocorrema qualquer homem todas as coisas. Pelas suas passadas ou futuras virtudes,qualquer homem é credor de toda a bondade, mas também de toda a traição pelassuas infâmias do passado ou do futuro. Assim como nos jogos de azar as cifraspares e ímpares permitem o equilíbrio, assim também se anulam e se corrigem oengenho e a estupidez.(...) Ninguém é alguém, um único homem imortal é todos os outros homens. ComoCornelio Agrippa, sou deus, sou herói, sou filósofo, sou demónio e sou o mundo,o que é uma forma cansativa de dizer que não sou.(...) A morte (ou a sua alusão) torna os homens delicados e patéticos. Estescomovem-se pela sua condição de fantasmas. Cada acto que executam pode ser oúltimo. Não há um rosto que não esteja por se desfigurar como o rosto de umsonho. Tudo, entre os mortais, tem o valor do irrecuperável e do perdido. Entreos Imortias, pelo contrário, cada acto (e cada pensamento) é o eco de outros queno passado o antecederam, sem princípio visível, ou o claro presságio de outrosque, no futuro, o repetirão até à vertigem. Não há coisa que não esteja perdidaentre infatigáveis espelhos. Nada pode ocorrer uma só vez, nada é primorosamentegratuito. O elegíaco, o grave, o cerimonial, não contam para os Imortais. Homeroe eu separamo-nos nas portas de Tânger. Creio que não nos despedimos.
Ser imortal é coisa sem importância. Excepto o homem, todas as criaturas osão, porque ignoram a morte. O divino, o terrível, o incompreensível, éconsiderar-se imortal. Já notei que, embora desagrade às religiões, essaconvicção é raríssima. Israelitas, cristãos e muçulmanos professam aimortalidade, mas a veneração que dedicam ao primeiro século prova que apenascrêem nele, e destinam todos os outros, em número infinito, para o premiar oupara o castigar.Mais razoável me parece o círculo descrito por certas religiões do Indostão.Nesse círculo, que não tem princípio nem fim, cada vida é uma consequência daanterior e engendra a seguinte, mas nenhuma determina o conjunto... Doutrinadapor um exercício de séculos, a república dos homens imortais tinha conseguido aperfeição da tolerância e quase do desdém. Sabia que num prazo infinito ocorrema qualquer homem todas as coisas. Pelas suas passadas ou futuras virtudes,qualquer homem é credor de toda a bondade, mas também de toda a traição pelassuas infâmias do passado ou do futuro. Assim como nos jogos de azar as cifraspares e ímpares permitem o equilíbrio, assim também se anulam e se corrigem oengenho e a estupidez.(...) Ninguém é alguém, um único homem imortal é todos os outros homens. ComoCornelio Agrippa, sou deus, sou herói, sou filósofo, sou demónio e sou o mundo,o que é uma forma cansativa de dizer que não sou.(...) A morte (ou a sua alusão) torna os homens delicados e patéticos. Estescomovem-se pela sua condição de fantasmas. Cada acto que executam pode ser oúltimo. Não há um rosto que não esteja por se desfigurar como o rosto de umsonho. Tudo, entre os mortais, tem o valor do irrecuperável e do perdido. Entreos Imortias, pelo contrário, cada acto (e cada pensamento) é o eco de outros queno passado o antecederam, sem princípio visível, ou o claro presságio de outrosque, no futuro, o repetirão até à vertigem. Não há coisa que não esteja perdidaentre infatigáveis espelhos. Nada pode ocorrer uma só vez, nada é primorosamentegratuito. O elegíaco, o grave, o cerimonial, não contam para os Imortais. Homeroe eu separamo-nos nas portas de Tânger. Creio que não nos despedimos.

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