quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Crise na educação: por quê?

É com tristeza que nós, cidadãos, constatamos estar a escola em crise: ela não consegue desempenhar comeficácia a função de informar e, muito menos, a função formadora. Inúmeras tentativas já foram feitas no intuito de superaresta crise e melhorar a qualidade do ensino. Para tanto, os objetivos foram redefinidos,conteúdos mais atualizados foramacrescidos ao currículo, enquanto o antigo acervo de técnicas didáticas foi revisto, com novas estratégias de ação sendosucessivamente implantadas. Mas isto não resolveu o problema.Embora o esforço não tenha sido em vão, temos de reconhecer que não apresentou os resultados esperados,porquanto a crise revelou-se muito mais profunda do que de início aparentava, não se resumindo em simples questão dereformulação de objetivos, conteúdos ou estratégias. O que estava em crise eram os valores, e a escola, sendo umainstituição social, refletia a crise de valores que atingia a sociedade.O processo educativo sempre se encarregou de difundir os valores sobre os quais se estruturava a sociedade emque estava inserido: assim sendo, na Grécia de Péricles, o ideal era a formação do cidadão consciente e participante daadministração de sua cidade estado, na Roma dos Césares, almejava-se formar o político loquaz e o bravo guerreiro,durante a Idade Média, a meta era a formação do homem moralmente íntegro e do Cristão temente a Deus; por ocasião darevolução comercial e, posteriormente, industrial, nas sociedades que sofreram de forma mais aguda e intensa o impactodessa fase, propunha-se formar o burguês dotado de iniciativa e senso comercial. E assim foi ao longo dos séculos: cadasociedade e cada época histórica, de acordo com os valores sobre os quais se alicerçava, tinham um ideal de homem a serformado. E a escola, agência dessa sociedade, se encarregava de cumprir esse ideal.Mas, e agora, em pleno fim de século XX, que ideal de homem nossa escola pretende formar? Esta é a questãofundamental, para a qual precisamos encontrar uma resposta, pois, de outra forma, será infrutífera toda reformaeducacional. Enquanto não se souber que tipo de ser humano precisa ser formado, qualquer tentativa de reformular aescola, seja definindo objetivos e programando conteúdos, seja criando novas técnicas , será em vão, pois o que está sendoquestionado não é como educar, mas o para que educar. Em outras palavras, o que esta em jogo é o próprio sentido daeducação. E, por estar a educação destituída de sentido, apareceu como medidas paliativas e ilusórias os famososmodismos educacionais: um dia introduz-se uma nova técnica didática: noutro dia, a moda já é um novo conteúdo, cujaintrodução no currículo, alegasse, será a salvação do ensino. E assim, pulando de modismos em modismos, o professor e oaluno vão tentando cumprir suas tarefas, tendo, no entanto, ambos perdido de vista o sentido de seu objetivo: entramecanicamente numa sala de aula, sem saber por que nem para que esta desempenhando tal papel.Usando a moderna terminologia da cibernética, que é o novo modismo em matéria de educação, diríamos que aescola precisa definir qual será o output do sistema. Isto, no entanto, não é tarefa fácil, porque a própria sociedade nãoapresenta, claramente definido, o seu protótipo de homem.E porque a sociedade não quer determinar explicitamente este protótipo? Porque há um choque entre valoresproclamados e os valores reais. A sociedade em que vivemos se arvora na grande defensora dos valores humanísticos,que, desde os primórdios da cultura helênica, caracterizavam a civilização ocidental. Humanísticos, porque pregam orespeito e a valorização do ser humano como individualidade e como o fim em si mesmo. Baseiam-se na crença de que ohomem é um ser perfectível, capaz de ser modificado e se modificar; um ser cultural que, partindo da natureza, transcendeae cria o universo da cultura, um ser histórico, capaz de invenção e progresso.Portanto, tendo isto como pressuposto, o humanismo se valoriza pela caracterização do ser humano como um fimem si mesmo; pelo respeito a individualidade; pela crença na liberdade do homem de poder escolher e agir de formaautônoma; pela crença no auto-aperfeiçoamento, pois um ser que é capaz de invenção e progresso deve estar emconstante evolução; e, por fim, para que cada homem possa cumprir seu destino com a dignidade que a condição humanarequer, os valores humanísticos pregam a igualdade de oportunidade e solidariedade humana. Em síntese, esta seria aprofissão de fé de um humanista.Não obstante, enquanto a sociedade ocidental do século XX se proclama portadora dos valores humanísticos, seusvalores reais são bem outros: o progresso material é mais importante que o desenvolvimento dos padrões culturais eespirituais. Em outras palavras, acima do homem está o dinheiro; mais vale ter do que ser. O que significa que o homem émedido, avaliado e julgado pelo que aparenta e pelo que tem, e não pelo que é realmente. Portanto nossa sociedade tentacamuflar seus reais valores atrás do pedestal em que ostenta a bandeira do humanismo. E este choque que gera a crise aque aludimos a cima, pois, num confronto, os dois tipos de valores não podem coexistir. Quando um é conscientementeescolhido e explicitamente adotado, o outro deverá ser automaticamente rejeitado.É este o choque de valores que atingem nossa escola. Portanto, a tão alardeada crise da educação não é denatureza metodológica, nem financeira. É, antes de tudo, de caráter filosófico. Como toda pedagogia supõe uma filosofia,podemos afirmar que o que esta em crise, no fim do século XX, é a própria Filosofia, isto é, a própria concepção de homem,de mundo de vida.Se a sociedade como um todo, na situação conflitante em que se encontra, frente a valores tão contraditórios, nãosouber ou não quiser equacionar o problema, cabe a nós, educadores e educandos, mesmo que individualmente, cada umem sua sala de aula, traçar o rumo a ser atingido. Numa época de tantos valores antagônicos, se a solução não puder serglobal, que seja individual. Pois, como pode um educador pretender realizar seu trabalho, se nem se quer sabe o que desejaatingir? Como pode um aluno cursar todo o ensino básico sem ao menos ter um objetivo almejado?Portanto, antes de entrar em sua sala de aula, caro educador e caro aluno, pense bem nisso: que tipo desociedade queremos formar?Queremos uma sociedade pesada na balança do ter, que julga a si próprio e os outros pelo prisma da aparência,formando estereótipos rígidos, que vão cristalizar em preconceito? Ou queremos formar uma sociedade sadia, tanto físicaquanto psicologicamente, que esteja em harmonia consigo e com a natureza, que demonstre consciência dos seus direitose responsabilidades, dotada de senso crítico e capacidade de auto-analise, tendo em vista o aperfeiçoamento constante esenso de responsabilidade pelos destinos da humanidade?Cada educador e educando carrega nos ombros a responsabilidade desta escolha. (Regina Célia Cazaux Haydt, "Crise na educação: por quê?", Thot, n. 22, p. 45.)É com tristeza que nós, cidadãos, constatamos estar a escola em crise: ela não consegue desempenhar comeficácia a função de informar e, muito menos, a função formadora. Inúmeras tentativas já foram feitas no intuito de superaresta crise e melhorar a qualidade do ensino. Para tanto, os objetivos foram redefinidos,conteúdos mais atualizados foramacrescidos ao currículo, enquanto o antigo acervo de técnicas didáticas foi revisto, com novas estratégias de ação sendosucessivamente implantadas. Mas isto não resolveu o problema.Embora o esforço não tenha sido em vão, temos de reconhecer que não apresentou os resultados esperados,porquanto a crise revelou-se muito mais profunda do que de início aparentava, não se resumindo em simples questão dereformulação de objetivos, conteúdos ou estratégias. O que estava em crise eram os valores, e a escola, sendo umainstituição social, refletia a crise de valores que atingia a sociedade.O processo educativo sempre se encarregou de difundir os valores sobre os quais se estruturava a sociedade emque estava inserido: assim sendo, na Grécia de Péricles, o ideal era a formação do cidadão consciente e participante daadministração de sua cidade estado, na Roma dos Césares, almejava-se formar o político loquaz e o bravo guerreiro,durante a Idade Média, a meta era a formação do homem moralmente íntegro e do Cristão temente a Deus; por ocasião darevolução comercial e, posteriormente, industrial, nas sociedades que sofreram de forma mais aguda e intensa o impactodessa fase, propunha-se formar o burguês dotado de iniciativa e senso comercial. E assim foi ao longo dos séculos: cadasociedade e cada época histórica, de acordo com os valores sobre os quais se alicerçava, tinham um ideal de homem a serformado. E a escola, agência dessa sociedade, se encarregava de cumprir esse ideal.Mas, e agora, em pleno fim de século XX, que ideal de homem nossa escola pretende formar? Esta é a questãofundamental, para a qual precisamos encontrar uma resposta, pois, de outra forma, será infrutífera toda reformaeducacional. Enquanto não se souber que tipo de ser humano precisa ser formado, qualquer tentativa de reformular aescola, seja definindo objetivos e programando conteúdos, seja criando novas técnicas , será em vão, pois o que está sendoquestionado não é como educar, mas o para que educar. Em outras palavras, o que esta em jogo é o próprio sentido daeducação. E, por estar a educação destituída de sentido, apareceu como medidas paliativas e ilusórias os famososmodismos educacionais: um dia introduz-se uma nova técnica didática: noutro dia, a moda já é um novo conteúdo, cujaintrodução no currículo, alegasse, será a salvação do ensino. E assim, pulando de modismos em modismos, o professor e oaluno vão tentando cumprir suas tarefas, tendo, no entanto, ambos perdido de vista o sentido de seu objetivo: entramecanicamente numa sala de aula, sem saber por que nem para que esta desempenhando tal papel.Usando a moderna terminologia da cibernética, que é o novo modismo em matéria de educação, diríamos que aescola precisa definir qual será o output do sistema. Isto, no entanto, não é tarefa fácil, porque a própria sociedade nãoapresenta, claramente definido, o seu protótipo de homem.E porque a sociedade não quer determinar explicitamente este protótipo? Porque há um choque entre valoresproclamados e os valores reais. A sociedade em que vivemos se arvora na grande defensora dos valores humanísticos,que, desde os primórdios da cultura helênica, caracterizavam a civilização ocidental. Humanísticos, porque pregam orespeito e a valorização do ser humano como individualidade e como o fim em si mesmo. Baseiam-se na crença de que ohomem é um ser perfectível, capaz de ser modificado e se modificar; um ser cultural que, partindo da natureza, transcendeae cria o universo da cultura, um ser histórico, capaz de invenção e progresso.Portanto, tendo isto como pressuposto, o humanismo se valoriza pela caracterização do ser humano como um fimem si mesmo; pelo respeito a individualidade; pela crença na liberdade do homem de poder escolher e agir de formaautônoma; pela crença no auto-aperfeiçoamento, pois um ser que é capaz de invenção e progresso deve estar emconstante evolução; e, por fim, para que cada homem possa cumprir seu destino com a dignidade que a condição humanarequer, os valores humanísticos pregam a igualdade de oportunidade e solidariedade humana. Em síntese, esta seria aprofissão de fé de um humanista.Não obstante, enquanto a sociedade ocidental do século XX se proclama portadora dos valores humanísticos, seusvalores reais são bem outros: o progresso material é mais importante que o desenvolvimento dos padrões culturais eespirituais. Em outras palavras, acima do homem está o dinheiro; mais vale ter do que ser. O que significa que o homem émedido, avaliado e julgado pelo que aparenta e pelo que tem, e não pelo que é realmente. Portanto nossa sociedade tentacamuflar seus reais valores atrás do pedestal em que ostenta a bandeira do humanismo. E este choque que gera a crise aque aludimos a cima, pois, num confronto, os dois tipos de valores não podem coexistir. Quando um é conscientementeescolhido e explicitamente adotado, o outro deverá ser automaticamente rejeitado.É este o choque de valores que atingem nossa escola. Portanto, a tão alardeada crise da educação não é denatureza metodológica, nem financeira. É, antes de tudo, de caráter filosófico. Como toda pedagogia supõe uma filosofia,podemos afirmar que o que esta em crise, no fim do século XX, é a própria Filosofia, isto é, a própria concepção de homem,de mundo de vida.Se a sociedade como um todo, na situação conflitante em que se encontra, frente a valores tão contraditórios, nãosouber ou não quiser equacionar o problema, cabe a nós, educadores e educandos, mesmo que individualmente, cada umem sua sala de aula, traçar o rumo a ser atingido. Numa época de tantos valores antagônicos, se a solução não puder serglobal, que seja individual. Pois, como pode um educador pretender realizar seu trabalho, se nem se quer sabe o que desejaatingir? Como pode um aluno cursar todo o ensino básico sem ao menos ter um objetivo almejado?Portanto, antes de entrar em sua sala de aula, caro educador e caro aluno, pense bem nisso: que tipo desociedade queremos formar?Queremos uma sociedade pesada na balança do ter, que julga a si próprio e os outros pelo prisma da aparência,formando estereótipos rígidos, que vão cristalizar em preconceito? Ou queremos formar uma sociedade sadia, tanto físicaquanto psicologicamente, que esteja em harmonia consigo e com a natureza, que demonstre consciência dos seus direitose responsabilidades, dotada de senso crítico e capacidade de auto-analise, tendo em vista o aperfeiçoamento constante esenso de responsabilidade pelos destinos da humanidade?Cada educador e educando carrega nos ombros a responsabilidade desta escolha.


(Regina Célia Cazaux Haydt, "Crise na educação: por quê?", Thot, n. 22, p. 45.)

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